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sábado, 27 de agosto de 2011

Alguém Especial - Ivan Martins

É isso que você quer – ou um monte de gente basta?


“Ficar com muita gente é fácil”, diz um amigo meu, com pouco mais de 25 anos. “Difícil é achar alguém especial”.
Faz algum tempo que tivemos essa conversa. Ele tentava me explicar por que, em meio a tantas garotas bonitas, a tantas baladas e viagens, ele não se decidia a namorar.

Ele não disse que estava sobrando mulher. Não disse que seria um desperdício escolher apenas uma. Não falou em aproveitar a juventude ou o momento e nem alegou que teria dificuldade em escolher. Disse apenas que é difícil achar alguém especial.

Na hora, parado com ele na porta do elevador, aquilo me pareceu apenas uma desculpa para quem, afinal, está curtindo a abundância. Foi depois que eu vim a pensar que existe mesmo gente especial, e que é difícil topar com uma delas.

Claro, o mundo está cheio de gente bonita. Também há pessoas disponíveis para quase tudo, de sexo a asa delta. Para encontrar gente animada, basta ir ao bar, descobrir a balada, chegar na festa quando estiver bombando. Se você não for muito feio ou muito chato, vai se dar bem. Se você for jovem e bonita, vai ter possibilidade de escolher. Pode-se viver assim por muito tempo, experimentando, trocando de gente sem muita dor e quase sem culpa, descobrindo prazeres e sensações que, no passado, estariam proibidos, especialmente às mulheres.

Mas talvez isso tudo não seja suficiente.

Talvez seja preciso, para sentir-se realmente vivo, um tipo de sensação que não se obtém apenas trocando de parceiro ou de parceira toda semana. Talvez seja preciso, depois de algum tempo na farra, ficar apaixonado. Na verdade, ficar apaixonado pode ser aquilo que nós procuramos o tempo inteiro – mas isso, diria o meu jovem amigo, exige alguém especial.

Desde que ele usou essa fatídica expressão, eu fiquei pensando, mesmo contra a minha vontade, sobre o que seria alguém especial, e ainda não encontrei uma resposta satisfatória. Provavelmente porque ela não existe.

Você certamente já passou pela sensação engraçada de ouvir um amigo explicando, incansavelmente, por que aquela garota por quem ele está apaixonado é a mulher mais linda e mais encantadora do mundo – sem que você perceba, nela, nada de especial. OK, a garota é bonitinha. OK, o sotaque dela é charmoso. Mas, quem ouvisse ele falando, acharia que está namorando a irmã gêmea da Mila Kunis. Para ele ela é única e quase sobrenatural, e isso basta.

Disso se deduz, eu acho, que a pessoa especial é aquela que nos faz sentir especial.

Tenho uma amiga que anda apaixonada por um sujeito que eu, com a melhor boa vontade, só consigo achar um coxinha. Mas o tal rapaz, que parece que nasceu no cartório, faz com que ela se sinta a mulher mais sensual e mais arrebatada do planeta. É uma química aparentemente inexplicável entre um furacão e um copo de água mineral sem gás, mas que parece funcionar maravilhosamente. Ela, linda e selvagem como um puma da montanha, escolheu o cara que toma banho engravatado, entre tantos outros que se ofereciam, por que ele a faz sentir-se de um modo que ninguém mais faz. E isso basta.

É preciso admitir que há gente que parece especial para todo mundo. Não estou falando de atores e atrizes ou qualquer dessas celebridades que colonizam as nossas fantasias sexuais como cupins. Falo de gente normal extremamente sedutora. Isso existe, entre homens e entre mulheres. São aquelas pessoas com quem todo mundo quer ficar. Aquelas por quem um número desproporcional de seres humanos é apaixonado. Essas pessoas existem, estão em toda parte, circulam entre nós provocando suspiros e viradas de pescoço, mas não acho que sejam a resposta aos desejos de cada um de nós. Claro, todo mundo quer uma chance de ficar com uma pessoa dessas. Mas, quando acontece, não é exatamente aquilo que se imaginava. Você pode descobrir que a pessoa que todo mundo acha especial não é especial para você.

Da minha parte, tendo pensado um pouco, acho que a pessoa especial é aquele que enche a minha vida. Ela é a resposta às minhas ansiedades. Ela me dá aquilo que eu nem sei que eu preciso – às vezes é paz, outras vezes confusão. Eu tenho certeza que ela é linda por que não consigo deixar de olhá-la. Tenho certeza que é a pessoa mais sensual do mundo, uma vez que eu não consigo tirar as mãos dela. Certamente é brilhante, já que ela fala e eu babo. E, claro, a mulher mais engraçada do mundo, pois me faz rir o tempo inteiro. Tem também um senso de humor inteligentíssimo, visto que adora as minhas piadas. Com ela eu viajo, durmo, como, transo e até brigo bem. Ela extrai o melhor e o pior de mim, faz com que eu me sinta inteiro.

Deve ser isso que o meu amigo tinha em mente quando se referia a alguém especial. Se for isso vale a pena. As pessoas que passam na nossa vida são importantes, mas, de vez em quando, alguém tem de cavar um buraco bem fundo e ficar.

Essas são especiais e não são fáceis de achar. 

(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

CORA CORALINA

Cora Coralina é atemporal e as suas palavras me fizeram tão bem!!!

Ontem eu estava triste..tristinha...mas se me perguntares por que...hoje eu já não sei responder. Ficou no ontem...não chegou no hoje.
Hoje o dia foi brilhante, cheio de novos olhares, novas sensações e de sessão dupla de análise.
Vou tirar um dia só pra falar das minhas sessões,mas confesso que foi a segunda melhor coisa que fiz pra mim mesma este ano.
Hoje eu saí tão leve, tão confiante de que estou no caminho certo, que um novo horizonte se abriu...
Percebi que estava olhando apenas dentro da caixa...abri a tampa...tem uma vida inteira sorrindo para mim do lado de fora dela... e a única coisa que me resta é desvendá-la. 


O QUE É VIVER BEM?
 Por Cora Coralina 
Saber viver, segundo Cora Coralina | Cuidar de Idosos | http://www.cuidardeidosos.com.br/saber-viver...  
Um repórter perguntou à CORA CORALINA (poeta que viveu até 95 anos) 
O que é viver bem?
Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo prá você,não pense.
Nunca diga estou envelhecendo,estou ficando velha. Eu não digo. Eu não digo estou velha,e não digo que estou ouvindo pouco. É claro que quando preciso de ajuda,eu digo que preciso.
Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê.
O bom é produzir sempre e não dormir de dia.
Também não diga prá você que está ficando esquecida,porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente,digo sempre:estou ótima.
Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa. Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida,mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio!
Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado,e que trago comigo todas as idades,mas não sei se sou velha não. Você acha que eu sou?
Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. Filha dessa abençoada terra de Goiás.
Convoco os velhos como eu,ou mais velhos que eu,para exercerem seus direitos. Sei que alguém vai ter que me enterrar,mas eu não vou fazer isso comigo.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade,despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto,pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes. O importante é semear,produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso,com esperança. Penso no que faço,com fé. Faço o que devo fazer,com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor,pois bondade também se aprende.
Mesmo quando tudo parece desabar,cabe a mim decidir entre rir ou chorar,ir ou ficar,desistir ou lutar;porque descobri,no caminho incerto da vida,que o mais importante é o decidir.

Clap, clap, clap! Levanto-me para aplaudir! 
*Não tenho como garantir que é realmente de autoria da Cora Coralina. De qualquer forma, são palavras de alguém que sabia muito bem o que estava falando! 

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Martha Medeiros e Cássia Eller


"Que por descuido abriu uma carta que voltou...

Levou um susto que lhe abriu a boca...

Esse recado vem pra mim...não pro senhor!!! "



Cartas Extraviadas - Martha Medeiros
Carta Extraviada 

Não sei por onde começar esta carta que já nasce atrasada, pensamos sempre que temos muito a dizer mas as palavras são pouco amistosas, onde encontrá-las agora, às três e dez de uma madrugada em que me encontro insone e pensando mais uma vez em você?

Você esperou por estas palavras por muitos meses, na esperança de que elas aliviariam a dor do seu coração, mas elas não vieram porque estavam ocupadas vigiando meus impulsos, me impedindo de me abrir, e minha própria dor lhe pareceu desatenção, eu que não durmo de tanta paixão congestionada, de tanto desejo represado, de tão só que estou.

Meus motivos sempre lhe pareceram egoístas, e se eu lhe disser que o descaso aparente foi na verdade uma atitude consciente para preservar você, me chamarás de altruísta e não sairemos do mesmo lugar.

Eu errei por não permitir que você me oferecesse seu afeto, eu errei ao sobrevalorizar um risco imaginário, eu errei por achar que existem amores menores e maiores, avaliados pelo tempo investido, pela contagem dos beijos, pelas ausências sentidas, por tudo isto fui conduzido a um erro de cálculo.

Não te peço nada além de compreensão, e esta carta nem era para pedir, mas para doar, eu que sempre me achei bom nessas coisas, o voluntário da paz, o boa-gente oficial da minha turma.

Mas peço: lembre de mim como alguém que alcançou a mesma medida do seu sentimento, a mesma profundidade das suas dúvidas, o mesmo embaraço diante da novidade, o mesmo cansaço da luta, a mesma saudade.
A carta vem tarde e redigida com palavras covardes, as corajosas repousam pois se imaginam já ditas e escritas, valentes foram as palavras do início, as desbravadoras, as que ultrapassaram limites, quando nós dois ainda não sabíamos do que elas eram capazes, palavras audazes, febris.

Pela enormidade de tempo que temos pela frente em que não nos veremos mais, não nos tocaremos ou ouviremos a voz um do outro, pela quantidade de dias em que conduzirás tu vida longe de mim e eu de ti, pela imensidão da nos descrença, pela perseverança da nossa solidão, pelos nãos todos que te falei, pelo pouco que houve de sim, acredita: te amei além do possível, não te amei menos que a mim.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Mulheres - Gabito Nunes

Uma vez me perguntaram se meus textos não interferem na concórdia de meus relacionamentos. Respondi que dava os ombros, pois gostava muito mais de escrever que de mulher. Mentira. A pior de todas as minhas mentiras. Se ganho dinheiro escrevendo e o gasto com mulheres, tá claro. Damas primeiro.

Quando tive de escrever sobre desfiles de moda, engraxates ou governadores de estado me via achatado, infausto, suprimido. Encontrei o bônus ortografando a mulher. No fim, a isso se resume minha vida. Mulher, mulher, mulher.

Eu durmo pensando em mulher, acordo pensando em mulher, tomo café, banho de açude, jogo futebol, vou ao cinema, trabalho, depilo a virilha, assisto o pôr do sol pensando em mulher. Até quando estou com mulher ou dentro de uma, ainda assim penso em mulher. Ok, exceto se preciso retardar o gozo, aí penso no Grêmio de 83 ou no Pedro de Lara. Mas mulher é meu Transtorno Obsessivo Compulsivo irremediável, com a graça de deus. Nem a Maria Bethânia me bate. Gosto delas em todos os níveis possíveis, passíveis e admiráveis. E não falo somente de sexo.

Gosto quando são mães e notam nossas camisas amarrotadas, ordenam dezessete vezes pararmos de roer unha, recolher a toalha úmida da cama. Gosto da amiga que finge entender se você conta sobre um trabalho que fez de social media marketing. Da mulher filha que fica de beiço se você recusa uma massagem. Da namorada que liga pra você com saudade no meio da tarde. Da "puta", perseguindo o transe torturando o lábio inferior com os olhos tontos e ofegantes.

Gosto de mulher quando tá com ciúme, menstruada, mentindo pra si mesma, fazendo cena, chorando baixinho, com cheiro de xampu, suada da academia, com dor de dente, discutindo com o cortador de frios, descalça, de salto alto, se olhando no espelho, cozinhando, produzida pra festa, caminhando de sutiã pela casa, cantando Vanessa da Mata, Rangel ou Camargo.

Adoro porque são tudo que jamais serei, porque dentro delas tem um relógio despertador que não as deixa esquecer que sem amor não tem graça viver, porque fazem eu me sentir desse tamanhozinho quando arregaçam suas emoções.

Nem me importo se me fazem sofrer feito o Tim Maia, amo tudo nelas. Suas confusões mais inusitadas, seus coquetéis bioquímicos explosivos, seus contraditórios pedidos de desculpa depois de meia hora dizendo que faço tudo errado, que sou o fator de seus cabelos brancos. Amo dentes, franjas, canelas, nucas, pernas, calcanhares, cada dedinho do pé, cada pelo, cada cheiro, cada tonalidade, cada curva, cada sorriso, cada manhã que acordo com uma por perto.

Falando nisso, não consegui vislumbrar se o dia em que me casar será o mais feliz ou triste da minha vida. Feliz, porque vou me juntar a uma pelo resto da minha vida. Ou triste, porque vou me juntar a uma pelo resto da minha vida. Bom, não sei e também nem quero pensar nisso. Quero pensar em mulher. Porque mulher é bom pra cacete. Aliás, se deus inventou algo melhor, tenho até medo de saber.



Fonte: www.carascomoeu.com.br

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Sempre Vinícius...

Receita de mulher - Vinícius de Moraes

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebal
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.